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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

UM OLHAR FOTOGRÁFICO LXIV














A LENDÁRIA ESTRADA DAS BOIADAS








A LENDÁRIA ESTRADA DAS BOIADAS
(Antonio Nogueira da Nóbrega)

          Na década de 1720 a 1730, quando o sertão da Paraíba ainda era uma região bruta e selvagem, os filhos do capitão-mor Teodósio de Oliveira Lêdo, o fundador de Pombal, já eram senhores de um sítio de criar gado na ribeira do rio do Peixe, chamado Araçás, localizado no atual município de São João do Rio do Peixe.
           Em 1732, o capitão-mor Antônio de Oliveira Lêdo, como representante de seus irmãos, arrendou esse sítio ao coronel Garcia D’Ávila Pereira, cuja escritura de arrendamento, datada de 21 de agosto desse ano, foi lavrada e passada no antigo Arraial de Piranhas (hoje Pombal), ao qual, na época, encontrava-se jurisdicionado o território do atual município de São João do Rio do Peixe.
           Por volta de 1740 a 1760, um português se estabeleceu no local, onde nasceram dois filhos seus: Jerônimo Manuel do Canto e Tomaz de Sousa Dias, dos quais descende numerosa parcela da população de São João do Rio do Peixe, aproximadamente, um terço, segundo Dr. Antônio de Sousa Feitas, cirurgião-dentista, já falecido. (SOUSA, Antônio José de. Apanhados Históricos, Geográficos e Genealógicos do GRANDE POMBAL, páginas 312-314. Gráfica Comercial, 1971.)
          Ao chegar ali, esse português construiu casa de residência e currais de gado. Iniciou os primeiros plantios e, com o passar dos tempos, encheu os sertões de “Sousa e Dias”, cujos descendentes, ainda hoje, vêm-se projetando na vida socioeconômica de São João do Rio do Peixe, como também de outros municípios. Em torno do local, graças ao desenvolvimento da agropecuária, novos colonizadores foram se fixando, dando ensejo ao surgimento de novos sítios de agricultura e de criação, cujos nomes atravessaram séculos e chegaram até aos nossos dias.
        Coube, portanto, a esse colonizador a tarefa de povoar e promover o desenvolvimento dessa localidade. Mas, para isso, teve de enfrentar os mais sérios desafios. Com coragem e pertinácia, conseguiu superar todos eles, com exceção de um, com o qual foi obrigado a conviver pelo resto da vida, cujo legado foi deixado, não só aos seus descendentes, mas também a todos os habitantes dos sítios Juazeirinho, Araçás, Junco, Barra de São Bento, Barra do Bé, Lagoa do Mel, entre outros. Eis, então, o insuperável desafio: as precárias condições de tráfego da via que dá acesso a essas localidades, que, nos períodos chuvosos – por ser ela cortada por três riachos, só no trecho Fazenda Velha – Araçás – torna-se intransitável e isola, praticamente, toda aquela vasta região do resto do município, por semanas a fio.
         Essa estrada – cordão umbilical através do qual São João do Rio do Peixe nasceu ligado a Sousa – é tudo o que restou da lendária “Estrada das Boiadas”, à qual o progresso vem-se mostrando indiferente. Outrora, ela ligava o Jaguaribe–Ceará, a Campina Grande-PB, depois de passar por São João do Rio do Peixe, Sousa, Pombal, Patos, entre outros. Atualmente, está reduzida a pouco mais de 20 quilômetros, pelo menos no alto sertão paraibano. Ela é um pouquinho de São João do Rio do Peixe, pois, sem que muitos o saibam, pelas curvas dessa trilha sinuosa, nossos antepassados, com sangue e heroísmo, escreveram as páginas de nossa história, cujos fatos vêm-se perdendo na tradição oral.
        Mas não sei se por ironia ou descaso de nossos administradores, essa estrada – com exceção de uma “passagem molhada”, construída sobre o riacho do sítio Araçás, por volta de 1979 – por José Dantas Pinheiro, prefeito à época - continua quase como fora feita, a cascos de bois, nos longínquos tempos coloniais.
        Em outras épocas, ela teve importante papel na vida socioeconômica desta imensa região. Através dela, chegaram os colonizadores e, posteriormente, os primeiros surtos de desenvolvimento. Por ela, transitaram as grandes boiadas procedentes de Jaguaribe, com destino a Patos e Campina Grande, entre outras. Sem falar dos cangaceiros e das volantes que, nas primeiras décadas do século XX, encheram-na de medo e lendas. Por ela, transitaram, também, os revolucionários de 1817 e 1824, que iam ou vinham do Ceará. Dentre os seus transeuntes históricos, cintam-se “Frei Caneca”, o principal líder da Confederação do Equador e os demais confederados, presos no interior do Ceará, que cruzaram São João do Rio do Peixe por volta de 02/12/1824. Depois de uma longa e dolorosa caminhada, chegam a Pombal na noite do dia 04 do mesmo mês e ano, passando por Patos na manhã do dia 07. Enfim, por ela, passaram e continuam a passar todos os políticos da região, em vésperas de eleições, à cata de votos; sem, no entanto, demonstrarem o menor interesse pela melhoria de suas condições de tráfego.
           Nas fases invernosas, quando os riachos da Emboscada e do Olho d’Água transbordam, inundam, durante muitos dias, extensos trechos dessa estrada, tornando-se um verdadeiro pesadelo para os habitantes das localidades às quais ela dá acesso, deixando-os no mais completo isolamento.
          
Nas épocas de enchentes, quem desejar se deslocar à sede do município, a fim de comercializar seus produtos, ou mesmo se abastecer de gêneros de primeira necessidade, nas feiras-livres, terá que fazer uma verdadeira maratona pelas cabeceiras desses riachos, onde as águas, provavelmente, são mais rasas. Além disso, aventurar-se-á por dentro de roçados, estreitos corredores, lagoas e atoleiros intermináveis; aumentando, portanto, a distância em duas ou mais vezes.
         Enquanto todos se mostram indiferentes ao sofrimento daquela gente, a velha trilha dos Icós-pequenos continua, como pode, a desempenhar seu papel – como há mais de dois séculos. Só diferente mesmo, em alguns trechos, quando ela já começa a desaparecer, ora numa lagoa (quando chove), ora num capão de mato que, preguiçosamente, debruça-se sobre as suas margens. É que, por ela já não trilham mais as boiadas de outrora, que, com seus cascos estropiados, pela longa caminhada, riscavam a caatinga e reabriam a picada.
         Mesmo assim, essa estrada ainda é de vital importância para toda aquela vasta região, pois, através dela, escoa-se toda a sua produção. Por sinal, uma das maiores deste município, uma vez que, ali se assentam as melhores terras para o cultivo do algodão, do milho, do feijão, do arroz, entre outros.
         Não foi por acaso, que os primeiros colonizadores ali se estabeleceram, tanto com grandes fazendas de criação quanto com roçados de plantação. Foram eles,         todavia, atraídos pelas riquezas fertilizantes do solo e, sobretudo, pela grande abundância de pastagens e aguadas, o que, ainda hoje é patente.
        Já é hora de se pensar em fazer alguma coisa no sentido de que esse angustiante problema seja solucionado e, consequentemente, amenizado o sofrimento daquela população que – como os seus ancestrais – encontra-se entregue a mercê da própria sorte, sem perspectiva de melhores dias.
         O aterramento de algumas lagoas e a construção de pontilhões sobre os riachos do Olho d’Água e das Emboscadas resolveriam, em parte, esse problema; reduzindo-se consideravelmente o percurso a ser feito pelos “ilhéus”, quando esses riachos transbordam e os obrigam ao isolamento total.                                                                              
       Vale ressaltar que, no momento, está sendo construída uma passagem molhada sobre o riacho do Olho d’Água, interligando a Rua Irinéia Dantas Rocha ao Bairro Cônego Luiz Gualberto de Andrade, concretizando-se assim um grande sonho dessa comunidade. No período do inverno, a estrada apresentava muitos buracos em virtude dos constantes alagamentos, além de ficar intransitável durante vários dias, dificultando a entrada e a saída do local. A obra vai facilitar a vida dos moradores desse conjunto residencial, dando-lhe um novo acesso. Entretanto, se não for construída, também, uma passagem molhada sobre o riacho das Emboscadas, o problema continuará prejudicando o deslocamento dos habitantes dos sítios acima citados à sede do município, ou vice-versa, deixando-os no mais completo isolamento, principalmente na época de cheias não só deste riacho, mas também do rio do Peixe.
       Veja, também, em  http://aracasfm.com.br/, postado a 24 de abril de 2013, sem o comentário acima, é claro