NO TEMPO DE LAMPIÃO
Antonio Nogueira da Nóbrega
.
Numa manhã de outono, quando a
“folhinha” assinalava 14/05/1927, João Nóbrega da Silva, garoto de uns 16 anos,
pouco mais ou menos, conhecido como Joãozinho, descia a ladeira na direção de
Pilões, feliz da vida assobiando uma modinha de sua predileção. Ao chegar à
cabeceira da parede do “açudinho”, sobre a qual teria de passar, depara com um
cangaceiro do bando de Lampião, armado até os dentes, que lhe pergunta, logo de
cara, o que havia na vasilha que conduzia debaixo do braço. O garoto, muito
assustado, de olhos arregalados, responde-lhe, com a voz trêmula, que eram ovos
de galinha que fora comprar para o almoço.
O cangaceiro aproximou-se de Joãozinho e apontou-lhe um fuzil
engatilhado, barrando-lhe a passagem.
- Menino, você gosta de ovo cru ou estralado?
– pergunta-lhe o bandido com ar ameaçador.
-
Nem cru nem estralado! Eu não gosto de ovos, não, meu senhor! – responde-lhe o
pirralho, tremendo da cabeça aos pés.
- Ah! Entendi! Mas, prepare-se, porque você
vai engolir esses ovos tudinho, já-já! - sentenciou o bandoleiro. Com uma das
mãos, o cangaceiro foi tirando os ovos da vasilha, um a um, e quebrando-lhe uma
das extremidades no cano da arma e dando ao menino para ingerir.
A cuia já estava se esvaziando quando, de repente,
surge outro cangaceiro de dentro
do mato e
grita:
- Não faça isso com a criança, rapaz!
Deixe-o passa em paz, no que foi obedecido.
Joãozinho era de baixa estatura; por isso, o cangaceiro chamou-o de
criança.
Logo que se desvencilhou das mãos do
cangaceiro, Joãozinho tirou de uma carreira até a entrada do povoado onde
morava. Quando entrou em casa, encontrou todo mundo em polvorosa, arrumando as
trouxas para fugir para um serrote que fica bem próximo do lugar. Assim que os
pilõesenses viram-se livres daquela presença ameaçadora, juntaram o que puderam
de seus pertences e fugiram para o sopé do serrote, onde, durante 18 dias,
ficaram refugiados (sem fazer qualquer barulho para não chamar a atenção dos
cangaceiros), deixando para trás o lugarejo abandonado, deserto, como uma
cidade fantasma.
Essa
era, portanto, a segunda vez que Lampião passava por São João do Rio do Peixe, surrando,
assaltando e incendiando, além de matar diversas pessoas, entre as quais:
Cícero Rafael e Antônio Belizário, residentes no sítio Formigueiro; Manuel
Francisco de Assis, conhecido como Manuel Chiquinho, no Vaquejador; Antonio
Quaresmas, em Santa Helena e Joaquim Gabriel, nos Cabaços, entre outros. A
primeira passagem ocorreu no ano anterior, 1926, tendo sido marcada pelo
assalto à casa comercial de João Marinho localizada no então distrito de Pilões,
onde o comerciante residia. Além do prejuízo material que lhe causaram, os
cangaceiros tiveram a ousadia de danças com suas filhas, causando-lhe grande
constrangimento. Envergonhado e revoltado, com tamanha ofensa moral, João
Marinho vendeu todos os seus bens e foi embora para bem longe daqui e nunca
mais deu notícia.
Essa história me foi contada pelo próprio João Nóbrega da Silva e sua
irmã, Ana Nóbrega da Silva, filhos de Francisco Nóbrega da Silva e Joaquina
Nóbrega da Silva.
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