ÁH, SE NÃO FOSSE AQUELE LAÇO DE FITA...
Antonio Nogueira da Nóbrega
Era o
dia 12 de fevereiro de 1947. São João do
Rio do Peixe amanhecera em festa, sob o espocar de bombas e foguetões; festejos
esses que começaram na véspera e só terminaram por volta das 12h daquele
fatídico dia (12), quando surgiu uma briga no centro da cidade, no espaço
compreendido entre a esquina do Mercado Público e o Bar Ideal, de propriedade
de Nilo. A luta começou num corpo a corpo e terminou na bala, culminando com o
triste saldo de um morto e dois feridos, além de provocar muita correria e
muita confusão, deixando a cidade em polvorosa. Esse grave incidente,
envolvendo civis e elementos da Polícia Militar, teve ampla repercussão em todo
o Estado; virou manchete dos principais jornais paraibanos, sobretudo, de “A
Tribuna”, e pôs fim à festa da UDN, cujos partidários comemoravam a esmagadora
vitória de Osvaldo Trigueiro de Albuquerque, eleito governador da Paraíba no
pleito realizado a 19/01/1947. (Como as apurações daquela época eram lentas!...). “A festa foi transformada num enterro...” -
desabafou Jacob Guilherme Frantz, o então presidente do Diretório Municipal da UDN.
Mas os osvaldistas exageraram nas
comemorações, pois - segundo Termo de Declaração, datado de l4-02-1947,
assinado por José Coelho de Lemos, 3º sargento da Policia Militar do Estado - jogaram
bombas nas casas de muitos adversários, transformando a cidade num verdadeiro
pandemônio. Entre os lugares atingidos pelos explosivos, cita aquele policial a
residência de Alcindo Bernardo, que ficou bastante zangado com essa cena de
vandalismo, visto que a sua esposa encontrava-se em adiantado estado de
gestação. Até a própria residência do Dr. Francisco Vaz Carneiro, Juiz de
Direito da Comarca, fora alvo das bombas udenistas, apesar de haver aquele
magistrado determinado o local onde deveriam soltar esse tipo de artefato
explosivo. Era voz corrente na cidade que, na noite daquele dia, pretendiam atirar
bombas também na Delegacia de Polícia – disse o sargento José Coelho de Lemos
em seu depoimento.
Tudo começou assim: era perto de l2h, foguetões espocavam no ar,
seguidos do estrondear de bombas que estremeciam a Praça da Matriz, anunciando
o término da missa em ação de graças que os udenistas mandaram celebrar em
regozijo pela vitória de seu candidato. Enquanto isso, o cabo Manuel Olegário
de Ataíde, 44 anos de idade, casado – comissário de polícia - saía da casa de
José Heliodoro do Nascimento (tenente reformado), em companhia do também cabo
Antônio Medeiros Pontes (1º suplente de subdelegado do Brejo das Freiras) e
dirigia-se ao Açougue Público a fim de comprar carne (segundo depoimento do
cabo Antônio Pontes). Mas, chegando à esquina do Mercado Público, para e fica em conversa furtiva com seu colega de
farda, observando, quem sabe, algo que tenha-lhe chamado a atenção, pois era
dia de festa e a cidade estava movimentadíssima. As pessoas - vindas das
fazendas, povoados e distritos - não se cansavam, rua acima, rua abaixo, num
vaivém constante, só parando, às vezes, para conversar com algum conhecido.
Além do mais, havia muita gente
bebendo no Bar Idea, o qual fazia esquina com o mercado. Nesse meio tempo, José
Florentino de Oliveira, 30 anos de idade, casado, residente no sítio Escurinho,
deste município, aparece recostado no portão do Mercado Público, lado do
nascente, a pouca distância de onde se encontravam os dois policiais.
Parece
que o destino começava a juntar as peças do quebra-cabeça no palco da luta que
iria iniciar-se daí a pouco. De repente, surge um grupo de jovens (entre eles,
Lourival Ribeiro da Nóbrega), que andava angariando fundos para a uma festa
religiosa. Aproximando-se de José Florentino, uma menor, de nome Marilá, coloca
um laço de fita na lapela de seu paletó e cobra-lhe Cr$ l,00 (hum cruzeiro);
mas ele se recusa a pagar a importância exigida, alegando ser demais, e dá
apenas Cr$ 0,50 (cinqüenta centavos), valor esse que não é aceito pela garota,
que insiste na cobrança do restante do dinheiro. Já bastante irritado, José
Florentino diz que só daria aquela importância, ou, então, uma peixeirada,
porque estava doido para dar umas peixeiradas em alguém... Coloca
a mão na cintura e faz gesto de quem iria sacar da arma. Enquanto isso, os dois
militares continuavam, lá na esquina do mercado, assistindo à contenda, e observando
tudo. Daí a pouco, Marilá retira-se, zangada, dizendo: “Você me paga o que me
deve. José retira-se também, mas o Cabo Olegário vai ter com ele; perguntando-lhe se as “peixeiradas” seriam
para ele, o interpelante, ao que responde que não. Mesmo assim, o cabo aproxima-se
mais um pouco, mostra-lhe a barriga e repete, aos gritos: “Me fure aqui!... Me
fure aqui!... Me fure aqui!...”; mas José, meio assustado, desculpa-se, dizendo
que não iria furar ninguém, que não tinha faca nenhuma, pois estava apenas
brincando com a moça e se oferece para ser corrigido. Assim, Olegário sentiu-se
na obrigação de revisá-lo. Mas, enquanto ele procedia à revista, João Felix de
Abreu e Antônio Sesinando, tomando as dores do amigo, avançam na sua direção, protestando
contra o seu procedimento. Indignado, Cabo Olegário mete a mão no bolso da túnica
e saca da arma, frustrando a investida dos dois homens, que param incontinenti.
José Florentino aproveita-se da confusão e foge “de fininho”, deixando os
amigos em apuros. Nessa
hora, Pedro Alexandrino do Nascimento, que se encontrava no Bar Ideal, chega
por trás do cabo e segura sua arma, dando-lhe um safanão, mas sem conseguir
arrebatá-la, indo os dois ao solo. Enquanto os dois homens rolavam pelo chão,
abofelados, como duas feras; outros civis foram chegando em socorro de Pedro, entre
os quais, Raimundo Alexandrino do Nascimento, seu irmão. Mas o cabo, mesmo no
chão, deitado de borco, fustigado pelos civis, recebendo socos e pontapés,
ainda fez vários disparos a esmo, até o penúltimo cartucho; tendo um dos
projéteis atingido, de leve, o pé da menor Iraci Martins de Santana (que ainda
vive), a qual se encontrava na porta da residência de Pedro Caboclo, assistindo
à briga que acontecia a pouca distância dali. Ao mesmo tempo, outro grupo de
civis, do mesmo modo, ataca o cabo Antonio Pontes – segundo o mesmo -
arrebatando-lhe da cinta uma pistola “mauser” e do bolso da túnica, uma
carteira de couro contendo Cr$ 720,00 (setecentos e vinte cruzeiros), levando
também seus óculos. Se não bastasse tudo
isso, os civis arrancaram as ombreiras de sua túnica e ainda deram nele,
provocando-lhe algumas escoriações e ferimentos de natureza leve. Avisados de
que a polícia já vinha em socorro dos irmãos de farda, fazendo disparos de
fuzis naquela direção, os agressores soltam os dois cabos e fogem às pressas, pensando que a “mauser” do delegado estava vazia. Atordoado da refrega,
Olegário se levanta de arma em punho e bate a poeira da farda... Nesse instante,
José Guerra Dantas, solteiro, de 26 anos de idade, chega em desabalada
carreira, fugindo dos tiros da polícia e buscando abrigo no Bar Idea. Mas, ao
pôr os pés na calçada daquele estabelecimento, recebe um tiro pelas costas, à
queima-roupa, à altura dos rins, dado pelo cabo Olegário, que o confundira,
talvez, com José Florentino, que trajava um paletó idêntico, feito do mesmo
tecido. Não resistindo à gravidade dos ferimentos, José Guerra Dantas – vítima inocente dessa avalancha
de paixão e ódio que varreu São João do Rio do Peixe - falecia por volta das
17h do mesmo dia.
O destacamento local encontrava-se
aquartelado, mas, tomando conhecimento do ocorrido, sai às pressas,
dirigindo-se ao local da briga, fazendo disparos de fuzis naquela direção.
Antes, porém, os soldados se encontraram com os dois cabos na Praça da Matriz,
os quais já haviam se desvencilhado das mãos de seus agressores. Chegando ao
mercado, alguns policiais adentram aquele prédio público; outros vão por fora,
atirando para todos os lados e perguntando pelos covardes que haviam surrado os
dois cabos. Joaquim Ribeiro, ao ouvir tais impropérios, protesta, dizendo: “Vocês
só dizem isso porque estão armados.” Mal fechou a boca, um dos policiais
apontou o fuzil em sua direção e deu dois tiros, mas Joaquim esquivou-se e os projéteis foram-se alojar no fogão de um
café fronteiro ao mercado. Informado de tal ocorrência, Senhor Alexandre sai ao
encontro dos policiais, acenando um lenço branco, pedindo-lhes paz e o seu
retorno ao quartel, no que é atendido. Recolhendo-se ao quartel, os soldados
permaneceram aí o resto do dia e a noite, sob ameaças de represálias por parte
dos civis que - tendo à frente o então deputado estadual e major da Polícia
Militar do Estado, Jacob Guilherme Frantz - pretendiam marchar contra o quartel
a fim de vingar a morte do amigo tragado pela “sanha política, ” pois essa era a opinião aventada pelos
udenistas. Daí, Senhor Alexandre se dirige ao hotel de Donona Bode, onde Jacob
se encontrava hospedado. Mas, ao chegar à antiga Praça Joaquim Cirilo de Sá,
encontra-se com Jacob Frantz à frente de um numeroso
grupo de homens armados, dispostos a atacar o quartel a qualquer custo. Senhor Alexandre aconselha-o a desistir de
tal intento, alegando que os policiais, além de estarem bem armados e
municiados, encontravam-se entrincheirados na Cadeia Pública, enquanto eles
ficariam em campo raso, sujeitos a serem alvejados facilmente. Jacob, além
disso, correria o rico de perder o mandato de deputado. Este, acatando as
ponderações de Senhor Alexandre, desiste de sua arriscada empreitada, poupando,
assim, São João do Rio do Peixe de um banho de sangue.
Ocupando a tribuna da Assembléia Legislativa do Estado, Jacob Frantz, então deputado estadual, profere violento discurso, fazendo
graves acusações ao Juiz de Direito da Comarca; inclusive, responsabilizando-o não só pelos últimos
acontecimentos delituosos, mas também pelo clima de insegurança que
reinava no município.
“(...)
a origem dos fatos foi uma mera medida policial de caráter preventivo ...” –
explica o então presidente do inquérito policial, major Pedro Gonzaga de
Lima.
Por sentença prolatada a 02-08-1947,
pelo Juiz de Direito da Comarca local, Dr. Francisco Vaz Carneiro, Cabo
Olegário foi preso, na qualidade de réu pronunciado, sujeito à acusação e
julgamento pelo Tribunal do Júri da referida comarca. Como medida de segurança
pessoal, foi recolhido à Cadeia Pública da cidade de Campina Grande.
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No dia 25/07/1949,
o bacharel Otacílio Dantas Cartaxo, defensor de Cabo Olegário, nomeado pelo Juiz
de Direito, em virtude de seu estado de pobreza, requeria ao Tribunal de Justiça
do Estado o desaforamento de seu julgamento para a Comarca de Cajazeiras. Num
trecho da petição, o advogado faz uma síntese do cenário e da origem do
conflito. Ei-la: “Às 12 horas, à hora clássica do aperitivo, os maiorais e seus
amigos e correligionários se alegravam, bebendo a vitória, soltando bombas e
naturalmente ridicularizavam os adversários derrotados. É quando surge uma
criança de nome Marilá, pregando laços de fita, cobrando certa importância. Um
dos presentes, José Florentino de Oliveiras, recebe um desses laços, se recusa
a pagar, oferecendo uma “peixeira”. O requerente juntamente com seu colega de farda, cabo Antonio Medeiros
Pontes, solicita a tal arma... Daí nasceu o incidente. Um grupo de exaltados pelo
álcool e pela política ataca o dois policiais. Há reação. Estabelece-se um
conflito. Luta corporal no início, terminado num tiroteio. Balas trocadas.
Afinal um morto. Diversos feridos. A cidade fica em pânico. O povo
revoltado. Confusão de sentimentos. Ameaças de represálias contra a polícia.
Contra os adversários. Histórias e mais histórias. Versões disparatadas.
Telegramas para jornais. Inquérito policial. Formação de culpas contra os
indiciados. Sentença de pronúncia. Eis aí uma síntese do ambiente e do móvel do
crime.”
Como vimos, algumas pessoas – movidas
pela paixão e pelo ódio – transformaram uma medida de ordem policial num fato
político, que resultou atos desastrosos: prejuízo de vida, ferimentos em pessoas,
deixando a cidade em pânico.
Na política, é assim: paixão e ódio não se separam, andam de
mãos dadas, provocando brigas, fazendo estragos, levando as pessoas a exageros.
“Todas as paixões exageram, e são paixões justamente porque exageram.”
(Chamfort)
“O ódio excita contendas,
mas o amor cobre todas as transgressões”
Provérbios
10:12
Veja, também, no livro
“Política, Paixão e Ódio”, pp. 240 a 247, Editora A União, João Pessoa-PB,
2010, de Francisco Alves Cardoso.
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ResponderExcluirLudy12 de agosto de 2013 14:32
Major Jacob Frantz, meu amado padrinho de batismo!Conforme reza no meu assentamento de nascimento, tendo como celebrante Padre Jácome em maio de 1953. Nascida em:18/04/1953- cidade Antenor Navarro.
O major Jacob Guilherme Frantz ,foi em 03 de 02 de 1953, promovido ao posto de Tenente Coronel., pela Lei 569.
Ten.Cel Jacob Guilherme Frantz
Lêda Mara da Silva-
Residente na cidade Aroeiras/PB
OBS. Meu pai também era militar e, amiguíssimo do meu padrinho, daí a escolha.
Ao meu amigo Antônio Nogueira e sua filha Ruthlana por nos proporcionarem tantos deleites ao apresentar-nos tantas memórias dos doirados anos de Antenor Navarro, os mais sinceros agradecimentos, e elogios.
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